A Mouraria é noutro país

Há mais de meio século que Arminda deixou Alcafaz, pequena aldeia de xisto nas margens do Ceira, para vir parar às portas da Rua do Capelão, no coração mouro de Lisboa. Quem vem da capelinha da Senhora da Saúde e mergulha sem medo nas ruas estreitas deste bairro antigo vê-a logo, à porta de um cubículo, na viela escura onde nasceu a famosa Severa. Lá dentro há toalhas bordadas à espera de turistas, mas Arminda pega-se à conversa cá fora, indiferente aos pingos de chuva, feliz por falar no seu Ceira natal. É domingo de chuva e da Severa nem sinal, mas pressente-se o fado nas travessas e escadinhas da Mouraria, nem que seja pelos retratos desbotados de glórias antigas que pintaram nas paredes. A Mouraria é velha e há muito que nela se cruzam povos e gentes de todos os tipos. Quando chego à Rua do Marquês de Ponte de Lima, passa um velho curvado sem idade, esbraceja aos gritos uma rapariga escanzelada, de cara envelhecida pela droga, desce um par de senhoras, de sacos de compras, a t...