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Tieta do Agreste

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Caro Pedro, antes que tentes adivinhar, esclareço-te que aterrei no ponto mais oriental do Brasil...aquele que mais se aproxima do continente Africano e que não deixa dúvidas sobre a tese de que um dia o mundo foi uma terra só. Este Recife que, no entanto deixa esmorecer o que nos encanta no Brasil da novela, da música e do redentor, não foi no entanto o alvo da visita. O destino foi, por via do imperativo científico na forma de um encontro informal, um pequeno município do estado da Paraíba. Um dia baptizada de Bruxaxá, por influência de um homónimo teu, também luso e com esse apelido que, pelas boas relações com os indígenas ali terá aberto a primeira hospedaria, Areia é o nome reconhecido hoje, pelos habitantes da cidade e da região, e parece dever-se ao riacho com bancos de areia branca que ali passava.  Os mais de 200 Km que separam o aeroporto do Recife e Areia foram percorridos em duas horas e quarenta minutos devido ao piso das estradas, pouco amigo dos automóveis, e a

Do café e da selva

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22 de Julho de 2018 Meu caro Miguel, Eis Alex Pontes, guia turístico, São-tomense com página de Facebook, site e três irmãos em Lisboa, a fazer pela vida e a levar os visitantes a ver a ilha toda, como nenhum outro, leve-leve. Está apresentado o nosso guia, rapaz franzino, barba rala a fazer parecer mais crescido, que nos surgiu do nada acabávamos de sair da aerogare. Ontem ajustámos com ele visitas e preços, no terraço do hotel, nós e a Rosema, a leve e omnipresente cerveja da ilha. O dia é morno como todos aqui, o céu branco da "gravana", a estação seca, um sol baço que não abrasa nem fere a vista. A cidade dormita, decadente, espalhada ao longo da baía de Ana Chaves, bordejada por uma longa balaustrada branca e arruinada, ausente a espaços, os passeios arrancados já pela incúria ou pelas bojudas raízes das árvores ornamentais, tomadas de poderes sobre-vegetais. O mar é um lago prateado, pastoso, nem sequer chapinha nas estacas do pontão decrépito onde se aglomeram pe

Se Zimbra quiser...

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Sesimbra, 10 de Agosto 2018 Pedro, meu querido amigo, Diz-se por aí que as virtudes da amizade são confirmadas nos tempos difíceis. Não poderá, contudo, ser menos real que um motivo fácil como viajar, percorrer o mundo e escolhê-lo como morada de endereço único, consiga por si, desenganar quem o assume como verdade absoluta. As cartas que trocamos ensinam-nos isso também... que a visão de dois Homens, em locais distintos, tocando-se eventualmente na partilha da atmosfera, dos acidentes geográficos ou da luz do sol, podem efetivamente gozar de uma perspetiva comum e de um sentimento unânime de amizade, de paixão pela viagem, pela escrita e pelo maravilhoso globo que reconhecemos como “a nossa Terra”. Se Zimbra cá estivesse havia de concordar... ...que não poderia ter sido melhor escolhido, o lugar para eu iniciar estes encontros de letras soltas e conjugadas que, estou certo, atingir-te-ão sem cerimónia ou pudor, com maior ou menor eruditismo, com exagero bucólico ou

Ilhas do Chocolate

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21 de Julho de 2018 Caro Miguel, Tem um pouco de paciência e acompanha-me nestas letras, que tentarão levar-te a viajar a um local que talvez não esperes mas que, acredita-me, valeria todas as esperas. Perdoa-me o estilo pobre ou o desalinhavo das frases para te mostrar o que há para ser mostrado, pela lente dos meus olhos. Vamos a isto. Um desconfortável voo nocturno da STP Airways deixa-nos, ainda zonzos, na luz mortiça das 7 da manhã na pista do aeroporto. A menina do transfer, de ar profissional, enrola deliciosamente os rr, e cá vamos nós pela marginal esburacada a caminho da cidade. Uma praia vazia e estreita, um pontão que dá acesso a um clube de veraneio sobre o mar, um ou outro hotel escondido, e depois uma sucessão de pequenas vivendas gémeas, com a sua arcada na entrada ao melhor estilo do Portugal anos 60 - algumas com reluzentes placas empresariais, outras fechadas e abandonadas. Ao chegar ao centro, virados para a baía arredondada e suave, os edifícios coloniais dos

Viajantes epistolares

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Perdeu-se, na era da vertigem digital, a arte de escrever cartas. Quando era pequeno, lembro-me ainda das cartas em papel de linhas e caligrafia alinhada, para a avó e as tias da Beira Alta, meio contrariado em tardes de Verão e de tédio, depois das cartas da adolescências, aos amigos distantes ou não tanto, e dos postais e bilhetes de viagens cheios de novidades e saudades. Neste blogue de viagens retoma-se hoje essa antiga tradição epistolar, morta ou moribunda pelos e-mails e sms e whatsapps de abreviaturas ilegíveis. Não com a pretensão dos grandes mestres, quais Eça e Ortigão a trocarem farpas ou em cavalgadas loucas pela estrada de Sintra, que não temos nem o talento nem a lata. Será apenas um ensaio de cartas digitais, trocadas entre dois pontos do mundo e com os pontos de vista respectivos. O meu interlocutor é o Miguel Meira e Cruz, cientista com laivos de escritor, ou pelo menos acentuada queda para as letras, que aqui vai partilhar os próximos posts deste blogue. Bem-vin

Da Cerdeira vê-se o mundo

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25 de Março de 2018 A estrada fecha-se num túnel serpenteante, onde só se adivinha um tecto arbóreo e sobem rolos de vapor à frente dos faróis do carro. - Cuidado, pode haver javalis. Não havia, mas quase à meia-noite uma fila de caminhantes em mochilas enroladas de impermeáveis surge nas sombras da berma, como espectros coloridos. Conheço a aldeia, lembro-me dela alcandorada numa encosta verde e íngreme, com um riacho frio no fundo, um sítio onde não se construiria nenhuma aldeia, achava eu, e de estarmos sentados como gatos num muro de xisto já sem telhado numa tarde morna de Verão, eu tinha 20 anos e tanto tempo. Já dorme a aldeia, menos o riacho que vem cheio das chuvas de Março, as ripas de xisto do chão brilham húmidas na luz mortiça. Encontro a chave no vaso, como me disseram, e a casa é lá em baixo, uma avenida de pedra em formato aldeia, inclinada e retorcida. Kerstin surge do nada para me dar as boas-vindas e a aldeia torna-se subitamente humana, hospitaleira. Estou na

A cadeira de Mrs. Macquarie

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15-17 Julho 2017 Mrs. Macquarie costumava sentar-se numa pequena saliência rochosa no extremo do jardim da casa do Governador, onde o marido mandara esculpir um assento na pedra. É um lugar privilegiado, à sombra das grandes figueiras de Moreton Bay, de raízes tentaculares, de onde se abrange uma boa parte do porto de Sydney, com a sua costa cheia de enseadas e a ilhota-prisão na distância. Hoje Vêem-se passar os ferries para Manly Beach, sulcando as águas tranquilas. À esquerda, numa língua artificial em frente ao pequeno promontório onde vivia o Governador, erguem-se as extraordinárias velas brancas da Ópera, como grandes conchas brilhantes, secções perfeitas de uma esfera reconstruída pela imaginação de Jorn Utzon, o mítico arquitecto dinamarquês. Por trás, a elegante Harbour Bridge a dominar todo o porto completa uma das vistas mais famosas do mundo. Botanical Gardens A minha corrida nesta manhã de Inverno austral cheio de luz não podia ter melhor cenário - de Potts Point