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As Ilhas Conhecidas

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Faial, 18 de Junho de 2015 A última vez que estive na Horta foi há 14 anos, e era uma rua, de casinhas brancas alinhadas entre a massa negra da Espalamaca e o Monte Queimado, atrás das quais se erguiam fachadas severas de igrejas, como cenários de teatro feitos de papelão pintado. Cheguei de barco, e a marginal ondulava inquieta sob os meus pés de marinheiro de água doce. Pouco mudou, um hospital novo em vidro, já não há ruínas do terramoto de 98, um terminal marítimo de luxo. E no Porto Pim, Genuíno Madruga recebe os amigos à mesa, terminadas as aventuras de circum-navegação. Lá iremos. Para já, gozemos desta baía onde o mundo parece ter cabido numa aldeia, apertando-se os iates na marina, em cujo cais se continuam a pintar as insígnias dos veleiros. À noite, no Peter, encontram-se os velejadores, viajantes erráticos do mundo e dos espaços, de tez dourada e cabelos desgrenhados, à volta do gin. Acordo muito cedo, ainda não bateram as seis, e deixo-me ficar na varanda n...

Meet the Danes

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They decided to go out at dawn to catch a Dane. “It’s best to catch them early, while they are still fresh”, said Donut. (...) “Everyone talks about them: the Danes, the Danes... but no one’s seen an actual Dane.” No conto deliciosamente irónico de Eugen Kluev, três crianças filhas de imigrantes no bairro de Nørrebrø decidem apanhar um dinamarquês, desses que viviam num país extinto chamado Dinamarca, no tempo dos vikings. Fui a Nørrebrø, que se estende a Oeste dos lagos de Copenhaga, com os mesmos prédios graves de tijolo vermelho, largas janelas e movimentadas ciclovias. Aqui as espantosas lojas de design nórdico são substituídas pelos restaurantes Thai e talhos Halal, mostrando a diversidade cultural e racial desta zona da cidade. A igreja católica de Sakrament é frequentada por famílias filipinas; mais acima, Superkilen é um longo espaço urbano pedestre renovado com referências aos vários povos imigrantes: chão vermelho, pilaretes pintados com as cores da Nigéria, fontes marro...

Roskilde e os reis mortos

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“Shh! Shh! Venha!” A voz chamava entre as colunas brancas e vermelhas do deambulatório da Catedral de Roskilde, ainda mal acabavam de soar os últimos acordes do órgão. O serviço religioso da Reverenda Ulla acabara de terminar, a magra congregação mal ocupava uma dúzia de bancos, na luz coada da tarde que enchia o vasto templo. De traços simples, apenas interrompidos pelo púlpito de alabastro trabalhado e pelos túmulos monumentais dos reis da Dinamarca, aqui estão mil anos de história. A voz insistente pertencia a uma mulher de gabardine e lenço, curvada mas de olhar vivo, seguramente octogenária, e chamava-me para uma pequena refeição que a congregação preparara no edifício anexo. Lá dentro, a pastora, agora sem as rígidas vestes clericais luteranas, loira e radiante, recebia o seu improvisado rebanho, um misto de famílias de língua inglesa, velhos pensionistas, refugiados negros e turistas desprevenidos como eu. Roskilde, antiga sede da monarquia, tem hoje o aspecto de uma letárg...

Algo não está podre no Reino da Dinamarca

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" Something is rotten in the state of Denmark " - segundo Shakespeare, um reino mergulhado na corrupção política e moral. Talvez hoje Hamlet não pensasse o mesmo deste pacato país do norte, um paraíso social, uma monarquia moderna com uma democracia madura, um sistema educativo e de saúde exemplar e gratuito, onde as cidades estão cheias de parques bem cuidados, as bicicletas têm primazia sobre os carros e a cultura está em cada esquina. Charlottenlund é o bairro onde fico em Copenhaga. Na verdade, fica num município a norte da cidade, uma zona residencial que cresceu à volta do pequeno palacete de Charlottenlund, de moradias "posh" e jardins bem cuidados. Depois das 6 da tarde não há vivalma, através das grandes vidraças vêm-se famílias dinamarquesas a jantar à luz dourada do sol poente. Cheguei na primavera fria do norte, e ao longo das semanas vi-o transformar-se: primeiro a vegetação a ganhar um verde mais brilhante, depois o espectáculo das cerejeiras japones...

A Mouraria é noutro país

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Há mais de meio século que Arminda deixou Alcafaz, pequena aldeia de xisto nas margens do Ceira, para vir parar às portas da Rua do Capelão, no coração mouro de Lisboa. Quem vem da capelinha da Senhora da Saúde e mergulha sem medo nas ruas estreitas deste bairro antigo vê-a logo, à porta de um cubículo, na viela escura onde nasceu a famosa Severa. Lá dentro há toalhas bordadas à espera de turistas, mas Arminda pega-se à conversa cá fora, indiferente aos pingos de chuva, feliz por falar no seu Ceira natal. É domingo de chuva e da Severa nem sinal, mas pressente-se o fado nas travessas e escadinhas da Mouraria, nem que seja pelos retratos desbotados de glórias antigas que pintaram nas paredes. A Mouraria é velha e há muito que nela se cruzam povos e gentes de todos os tipos. Quando chego à Rua do Marquês de Ponte de Lima, passa um velho curvado sem idade, esbraceja aos gritos uma rapariga escanzelada, de cara envelhecida pela droga, desce um par de senhoras, de sacos de compras, a t...

Regressos e escrita de viagens

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Depois de uns meses de ausência, o blogue reanima-se, regressa à vida, e desta vez o pretexto é uma viagem muito próxima, quase sem sair do mesmo sítio, mas nem por isso de horizontes mais estreitos. Há algum tempo, tive o privilégio de participar no Workshop de Escrita de Viagens do Filipe Morato Gomes. O Filipe é uma "espécie de viajante profissional", como ele próprio se define, um misto de aventureiro, jornalista, guia, globe-trotter , nómada e cronista, que está tão à vontade numa tasca do bairro da Graça como numa floresta de gorilas em África ou numa viela de adobe no fundo do Irão. O Filipe não é um académico da coisa, prefere o sorriso e a informalidade e fala apaixonadamente, brilha-lhe algo no olhar como se por momentos estivesse novamente noutro continente, entre outros odores e outros sorrisos. Por três dias reuniram-se 12 pessoas tão diferentes como uma avó a tempo inteiro, um fotógrafo semi-profissional ou uma professora de veterinária, alguns com milhares d...