Meet the Danes

They decided to go out at dawn to catch a Dane. “It’s best to catch them early, while they are still fresh”, said Donut. (...) “Everyone talks about them: the Danes, the Danes... but no one’s seen an actual Dane.”

No conto deliciosamente irónico de Eugen Kluev, três crianças filhas de imigrantes no bairro de Nørrebrø decidem apanhar um dinamarquês, desses que viviam num país extinto chamado Dinamarca, no tempo dos vikings. Fui a Nørrebrø, que se estende a Oeste dos lagos de Copenhaga, com os mesmos prédios graves de tijolo vermelho, largas janelas e movimentadas ciclovias. Aqui as espantosas lojas de design nórdico são substituídas pelos restaurantes Thai e talhos Halal, mostrando a diversidade cultural e racial desta zona da cidade. A igreja católica de Sakrament é frequentada por famílias filipinas; mais acima, Superkilen é um longo espaço urbano pedestre renovado com referências aos vários povos imigrantes: chão vermelho, pilaretes pintados com as cores da Nigéria, fontes marroquinas, a silhueta de um touro. O bulício é interrompido ali perto pela tranquilidade do Assistenz, o jardim-cemitério.

No entanto, li que os dinamarqueses são um povo geneticamente monótono, pouco dado às vagas migratórias. Ao longo dos seus mil anos, os ímpetos conquistadores estenderam-se sempre aos seus vizinhos nórdicos e sub-árticos; a última guerra que fizeram, no fim do século XIX, foi por uns pedaços de terreno na fronteira com a Alemanha. Aí estão eles, altos, louros, atléticos, pedalando por Hellerup ou Østerbro, no mercado de Israelsplads ou nas esplanadas do porto, sóbrios mas trendy, na sua língua de muitas vogais e sons glóticos, mas bem mais suave que a dos seus vizinhos holandeses ou alemães. Paul, no hospital, tem toda a pinta nórdica: parece gélido no primeiro contacto, olhar claro penetrante, mas cheio de um humor fino e ácido. Responde geralmente às questões com um “o que é que pensas?” ou “há estudos randomizados sobre isso?” e nem sempre está a falar a sério. Afinal, também há multiculturalidade nos seus colaboradores: Valentina é uma dedicada lituana, Matti um afegão caloroso. Perfeitos dinamarqueses.

Não foi fácil conhecer dinamarqueses. Uma noite, ao jantar em casa de Adriana, só Lars era dinamarquês, mas namora com Simone, brasileira de Recife, e fala italiano e português; Eva, eslovaca de reservada beleza eslava, casada com um diplomata sueco; os italianos expatriados, Francesco, que parece ter caído directamente de Milão, e Pablo, o veneziano exuberante. O João e eu cozinhámos sopa de grão e bacalhau, uma refeição sólida à portuguesa. Diz Pablo, animado com um copo de Esporão reserva: “Neste país, se trabalhares a sério, tens sucesso”. Que o diga a loja de design de interiores caríssima que tem no centro da cidade.

Alguns pontos parecem incontornáveis nos dinamarqueses. Apesar da sua divertida língua, o inglês é universalmente falado como se estivéssemos nas vizinhas ilhas britânicas. A rainha não se discute, e o discurso de Ano Novo, às 18h do dia 31 de Dezembro, faz parar o país. A religião é um assunto estritamente privado (e praticado por menos de 5% da população). A bicicleta é o meio de transporte natural, utilizada diariamente por mais de 50% dos habitantes, dos deputados às crianças. O sistema político é multipartidário, com uma esmagadora participação nas urnas e baixos níveis de corrupção. Em Christiansborg, a antiga sede da monarquia, coexistem no mesmo edifício os três ramos do poder: o Parlamento, o Governo e o Supremo Tribunal. E para muitos dinamarqueses, nada pode descrever melhor um sentimento de bem-estar do que Hygge, algo como "aconchego" ou "convívio", que se reflecte na maneira como vêm o conforto da casa, do café, do sala de trabalho.

Do lado oposto a Nørrebrø, quando se passa o porto para Christianshavn, tive duas experiências da diversidade de Copenhaga. Logo atrás da igreja do Salvador, com a sua torre em espiral, está a Cidade Livre de Cristiania, experiência social que ocupação de antigas instalações militares, sobrevivendo à parte da cidade e das suas leis, num misto de vida alternativa, murais coloridos, barracões decadentes e toda uma panóplia de habitantes, do revivalismo hippie à espiritualidade zen. Um ícone da cidade, polémico e turístico.



Perto dali, uma bela tarde, fui ver e viver outro símbolo da cidade. A nova Casa da Ópera, obra icónica de Henning Larsen, oferecida à cidade pelo milionário Møller e não isenta de polémicas. Hoje é dia de festejar os 150 anos de Carl Nielsen, o mais famoso compositor dinamarquês, e escolhi ir à sua mais famosa ópera: Maskarade. A obra, divertida e mordaz, fala dos sonhos secretos de cada um de nós. E cá fora, a luz dourada do longo pôr-do-sol nórdico torna o edifício mágico, com o seu cais em degraus a mergulhar suavemente no mar, perante a silhueta silenciosa da cidade.








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