As Ilhas Conhecidas
Faial, 18 de Junho de 2015
A última vez que estive na Horta
foi há 14 anos, e era uma rua, de casinhas brancas alinhadas entre a massa
negra da Espalamaca e o Monte Queimado, atrás das quais se erguiam fachadas
severas de igrejas, como cenários de teatro feitos de papelão pintado. Cheguei
de barco, e a marginal ondulava inquieta sob os meus pés de marinheiro de água
doce.
Pouco mudou, um hospital novo em
vidro, já não há ruínas do terramoto de 98, um terminal marítimo de luxo. E no
Porto Pim, Genuíno Madruga recebe os amigos à mesa, terminadas as aventuras de
circum-navegação. Lá iremos. Para já, gozemos desta baía onde o mundo parece
ter cabido numa aldeia, apertando-se os iates na marina, em cujo cais se
continuam a pintar as insígnias dos veleiros. À noite, no Peter, encontram-se
os velejadores, viajantes erráticos do mundo e dos espaços, de tez dourada e
cabelos desgrenhados, à volta do gin.
Acordo muito cedo, ainda não
bateram as seis, e deixo-me ficar na varanda na luz quieta que nasce e no
silêncio fresco. Em frente o canal e, mágica, a montanha do Pico. Socorro-me
das palavras de Raúl Brandão, que visitou as ilhas em 1924 e as verteu em
pinceladas mestras em “As Ilhas desconhecidas”.
“A outra coisa que exerce aqui
uma verdadeira fascinação é o Pico – tão longe que a luz o trespassa, tão perto
que quer entrar por todas as portas dentro. Na verdade, parece um efeito mágico
de luz, um fantasma posto ai de propósito para nos iludir e mais nada. Toma
todas as cores: agora está violeta, logo está rubro. A cada momento uma nova
transformação. Todo o céu doirado e o Pico roxo. Tarde, e a lua enorme a nascer
por trás daquele paredão imenso que chega ao céu. É majestoso e magnético. Está
ali presente como um vagalhão que vai desabar sobre o Faial. Esta noite é um sonho:
o cone muito nítido emerge de nuvens brancas que o rodeiam e parecem elevá-lo num
triunfo ao céu. Às vezes, de Inverno, a neve brilha lá no alto com reflexos de
jóias, outras são as nuvens que lhe dão formas extraordinárias. Se eu vivesse
aqui, queria uma casa e uma cama onde só visse o Pico. Ele enchia-me a vida.”
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