Lemosho Route

Dia 1.
Domingo, 9 Fev 2014

A manhã no Springlands Hotel fervilha de actividade. No grande telheiro que serve de sala de refeições o pequeno-almoço vai adiantado, turistas ocidentais discutem animadamente planos de viagem enquanto engolem omeletes e os cozinheiros vigiam, solenes, o buffet onde há tostas, salsichas, tomate assado, frutas, batatas, estranhos molhos, pouridge, café, chá. A manhã é mais leve, ainda húmida das chuvadas da noite. O meu cérebro está anestesiado do cansaço e do sono curto, a noite em claro a ouvir a trovoada, parece-me tudo uma imensa maçada, vir de tão longe para comer tostas com doce, em África...

 O verdadeiro caos, no entanto, só o vemos depois, já de malas prontas, dirigindo-nos para o jardim onde uma multidão de guias, carregadores, funcionários, ajudantes, se movem como abelhas de uma colmeia, entre montes de bagagem que vão sendo embrulhados em sacos de lona e atirados para o tejadilho de camionetas já um pouco decrépitas e sujas de lama.

Neste aparente caos parece haver afinal uma ordem, surgem impressos triplicados de todos os lados - "sign here, please" - e conhecemos Constantine, jovem de ar tranquilo, falha entre os 2 incisivos de cima e enormes ténis brancos. Eis o nosso guia.

Finalmente embarcamos, apertados entre australianos e americanos, duvidando que as nossas bagagens alguma vez cheguem ao mesmo destino que nós. Até ao portão de Londorossi são 2 horas de viagem para oeste, cruzando primeiro Moshi, movimentada apesar do Domingo, depois tomando uma estrada de terra batida pela direita. Contornamos assim o maciço do Kilimanjaro em direcção à sua vertente ocidental, onde se inicia a rota Lemosho.

A savana desenrola-se em colinas suaves, algumas como cones vulcânicos, a terra escura e rica, a montanha escondida atrás de um véu de névoa baça. Aqui e ali há pequenos aglomerados de casas rudimentares, as igrejas cheias emanando cânticos, lado a lado com silenciosas mesquitas, gente a lavrar com juntas de bois, motas com 3 passageiros, e a camioneta a chocalhar-nos sem piedade. "African massage". As minhas pálpebras caem de cansaço.

No portão de Londorossi espera-nos novamente o caos, pelo menos para os nossos olhos urbanos, ocidentais. No meio de uma multidão, os guias tratam das formalidades, dão-nos uma lunch-box e despacham-nos para o telheiro, enquanto esperamos que dezenas de carregadores, alinhados, pesem as suas cargas numa velha balança decimal, sob o olhar da autoridade, um guarda de farda olivácea que não parece demasiado preocupado.

Passa das 15 horas quando embarcamos de novo para mais 45 minutos de chocalhar, cruzando camiões de batatas e por vezes inclinando-nos tanto para os lados que tocamos os taludes, um roçar de folhagem.

O autocarro imobiliza-se numa floresta de coníferas (dir-se-ia nos Alpes...), as chuvas não permitiram avançar mais. Iniciamos a caminhada! Aqui está calor, há campos cultivados e o terreno ondula, penetrando aos poucos numa floresta cada vez mais densa. Ultrapassamos ruidosos australianos, americanos do Texas, um grupo de londrinos do Rajastão, com barbas de veneráveis islamitas, que se mete connosco animadamente (a célula da Al-Qaeda de King's Cross? Pouco provável...).

O caminho é fácil, arranjado, adensando-se como num jardim botânico, luxuriante de vegetação. Há macacos de várias espécies, ouvem-se os sons guturais de um babuíno algures, as flores são como espécies raras numa estufa europeia, delicadas e exóticas. Freddie é o nosso Assistant Guide, caminha connosco de ar despreocupado, calado mas atento. Falta 1 hora para o pôr-do-sol mas não há vislumbres de Mti Mkubwa (Big Tree Camp) onde acamparemos hoje. As sombras alongam-se e tornam a floresta mágica, cruzada por raios de sol oblíquos.

Ei-lo finalmente, uma clareira apertada onde se amontoam já dezenas de tendas e atarefam carregadores. O nosso acampamento já está pronto, num local um pouco afastado, mais tranquilo. É de luxo: 2 tendas para nós, tenda de refeições, "Private Office" (tenda wc privativa), vêm bacias de água quente e sabão para um banho de montanhista, serve-se chá com pipocas.

À noite, à mesa, sinto-me o Dr. Livingstone nas profundezas de África, em requintes britânicos, enquanto engulo a sopa de cebola e o guisado, à luz da vela.


Altitude: 2390m - 2790m
Tempo: 3h (16:00-19:00)



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