Hakuna Matata
Dia 5.
Quinta, 13 Fev 2014
Depois das 6 da manhã é difícil dormir mais nos acampamentos, ouvem-se vozes em Swahili, começa um reboliço de preparativos, um remexer nas tendas. Quando o nosso "waiter" Godlisten nos vem despertar, como todas as manhãs, "Hello, wake up time!", "Hello, hot water!", "Hello, breakfast is ready!", já nos encontra no tremendo esforço matinal de arrumar a tralha.
Hoje, preparados para a partida, no planalto ensolarado, há foto de grupo e os nossos carregadores cantam connosco a canção do Kilimanjaro, em Swahili. Hakuna matata!
Descemos o pequeno declive até ao regato no fundo de Barranco, por entre Lobelias, com a tremenda Western Breach a oeste a brilhar com os raios de sol oblíquos da manhã. A parede, ou "breakfast wall", desenvolve-se agora à nossa frente no seu esplendor, 300 metros de desnível ainda na sombra. Mas desenganamo-nos depressa: o mais difícil, ao escalar a parede, é a espera no engarrafamento de caminhantes e carregadores, ziguezagueando pelos estreitos patamares rugosos como um imenso e colorido formigueiro humano. Americanas gordas trepam degraus de pedra com invulgar agilidade, alemães de equipamento hi-tech franzem o sobrolho impacientes, carregadores equilibram cargas na cabeça à beira do precipício, guias tentam não perder o seu grupo, e há um borburinho humano que nunca esperaria numa escarpa de lava a 4000 metros, perdida em África!
O topo, de lages aplanadas, deixa-nos ver penachos de nuvens a subir pela face de Kibo, como sinais de fumo de uma tribo Sioux. Nada permanece igual na montanha: ora estamos a aquecer ao sol, sentindo a rocha quente, ora as nuvens nos encobrem em nevoeiro e sopra um vento gélido, e as vertentes da montanha, inóspitas de lava e cascalheiras, mudam de cor a cada momento.
Tudo o que está na mochila é preciso: vestir, despir, vestir, despir, camadas, barrete, óculos de sol, luvas, tira luvas, snacks, máquina fotográfica a cada curva (que bela desculpa para respirar fundo). E água, muita água, 3L e um termos de chá que carrego diariamente.
Para Karanga Hut há que ultrapassar dois vales: o primeiro, desolado, árido, varrido pelo vento, terra vulcânica sulcada pelas torrentes da época das chuvas. O segundo, Karanga Valley, fundo e húmido, atravessado por um ribeiro, de vertentes cobertas de vegetação tropical.
Às 2 horas estamos no campo a almoçar na tenda-sala, umas inesperadas batatas acabadas de fritar, com frango, pedaços de ananás e melancia. Obrigado, Godliving! O campo de Karanga é inclinado, desabrigado, entre enormes boulders que ali se imobilizaram há milénios. À frente da minha tenda, as vertentes intermináveis do Kilimanjaro mergulham nas nuvens; atrás, Kibo surge inteiro, coroado de glaciares. Freddie indicou-me hoje Stella Point, lá no alto, o ponto onde penetraremos na cratera. Espero que o nome seja auspicioso.
Depois do jantar, sigo o Alex ao topo do acampamento. A lua já nasceu, vinda dos lados do pico Mawenzi, a leste; empoleirados em cima de um grande boulder vemos todo o campo, pequenas luzes circulando, silhuetas-fantasma dentro das tendas, risos, algures alguém canta. Lá muito em baixo tremeluzem, minúsculas, as luzes de Moshi, a lembrar-nos que estamos montados no dorso de um colosso. Kibo vela sobre o campo, silencioso, rebrilhando as suas neves ao luar.
Esta noite, a montanha é o mundo inteiro, toda a vida está aqui, neste ar puríssimo, tão perto das estrelas.
Altitude: 3965m - 4043m
Tempo: 4h30 (9h00 - 13h30)
Quinta, 13 Fev 2014
Depois das 6 da manhã é difícil dormir mais nos acampamentos, ouvem-se vozes em Swahili, começa um reboliço de preparativos, um remexer nas tendas. Quando o nosso "waiter" Godlisten nos vem despertar, como todas as manhãs, "Hello, wake up time!", "Hello, hot water!", "Hello, breakfast is ready!", já nos encontra no tremendo esforço matinal de arrumar a tralha.
Hoje, preparados para a partida, no planalto ensolarado, há foto de grupo e os nossos carregadores cantam connosco a canção do Kilimanjaro, em Swahili. Hakuna matata!
Descemos o pequeno declive até ao regato no fundo de Barranco, por entre Lobelias, com a tremenda Western Breach a oeste a brilhar com os raios de sol oblíquos da manhã. A parede, ou "breakfast wall", desenvolve-se agora à nossa frente no seu esplendor, 300 metros de desnível ainda na sombra. Mas desenganamo-nos depressa: o mais difícil, ao escalar a parede, é a espera no engarrafamento de caminhantes e carregadores, ziguezagueando pelos estreitos patamares rugosos como um imenso e colorido formigueiro humano. Americanas gordas trepam degraus de pedra com invulgar agilidade, alemães de equipamento hi-tech franzem o sobrolho impacientes, carregadores equilibram cargas na cabeça à beira do precipício, guias tentam não perder o seu grupo, e há um borburinho humano que nunca esperaria numa escarpa de lava a 4000 metros, perdida em África!
O topo, de lages aplanadas, deixa-nos ver penachos de nuvens a subir pela face de Kibo, como sinais de fumo de uma tribo Sioux. Nada permanece igual na montanha: ora estamos a aquecer ao sol, sentindo a rocha quente, ora as nuvens nos encobrem em nevoeiro e sopra um vento gélido, e as vertentes da montanha, inóspitas de lava e cascalheiras, mudam de cor a cada momento.
Tudo o que está na mochila é preciso: vestir, despir, vestir, despir, camadas, barrete, óculos de sol, luvas, tira luvas, snacks, máquina fotográfica a cada curva (que bela desculpa para respirar fundo). E água, muita água, 3L e um termos de chá que carrego diariamente.
Para Karanga Hut há que ultrapassar dois vales: o primeiro, desolado, árido, varrido pelo vento, terra vulcânica sulcada pelas torrentes da época das chuvas. O segundo, Karanga Valley, fundo e húmido, atravessado por um ribeiro, de vertentes cobertas de vegetação tropical.
Às 2 horas estamos no campo a almoçar na tenda-sala, umas inesperadas batatas acabadas de fritar, com frango, pedaços de ananás e melancia. Obrigado, Godliving! O campo de Karanga é inclinado, desabrigado, entre enormes boulders que ali se imobilizaram há milénios. À frente da minha tenda, as vertentes intermináveis do Kilimanjaro mergulham nas nuvens; atrás, Kibo surge inteiro, coroado de glaciares. Freddie indicou-me hoje Stella Point, lá no alto, o ponto onde penetraremos na cratera. Espero que o nome seja auspicioso.
Depois do jantar, sigo o Alex ao topo do acampamento. A lua já nasceu, vinda dos lados do pico Mawenzi, a leste; empoleirados em cima de um grande boulder vemos todo o campo, pequenas luzes circulando, silhuetas-fantasma dentro das tendas, risos, algures alguém canta. Lá muito em baixo tremeluzem, minúsculas, as luzes de Moshi, a lembrar-nos que estamos montados no dorso de um colosso. Kibo vela sobre o campo, silencioso, rebrilhando as suas neves ao luar.
Esta noite, a montanha é o mundo inteiro, toda a vida está aqui, neste ar puríssimo, tão perto das estrelas.
Altitude: 3965m - 4043m
Tempo: 4h30 (9h00 - 13h30)
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