Algo não está podre no Reino da Dinamarca
"Something is rotten in the state of Denmark" - segundo Shakespeare, um reino mergulhado na corrupção política e moral. Talvez hoje Hamlet não pensasse o mesmo deste pacato país do norte, um paraíso social, uma monarquia moderna com uma democracia madura, um sistema educativo e de saúde exemplar e gratuito, onde as cidades estão cheias de parques bem cuidados, as bicicletas têm primazia sobre os carros e a cultura está em cada esquina.
Charlottenlund é o bairro onde fico em Copenhaga. Na verdade, fica num município a norte da cidade, uma zona residencial que cresceu à volta do pequeno palacete de Charlottenlund, de moradias "posh" e jardins bem cuidados. Depois das 6 da tarde não há vivalma, através das grandes vidraças vêm-se famílias dinamarquesas a jantar à luz dourada do sol poente. Cheguei na primavera fria do norte, e ao longo das semanas vi-o transformar-se: primeiro a vegetação a ganhar um verde mais brilhante, depois o espectáculo das cerejeiras japonesas e magnólias em flor, cestos de bicicleta cheios de compras a chegar, aos domingos as famílias a pintarem cercas ou arrancar as ervas daninhas do Inverno. O bairro anima-se, dentro da sua pacatez contida nórdica. Nos parques, mesmo os cães parecem contidos, caminham ordeiros perto dos donos, sozinhos a tomar a brisa florestal (gelada, quanto a mim). Adriana vive aqui há 15 anos, italiana do sul mas de traços delicados, franzina e suave. Fala em italiano com os filhos adolescentes, que lhe respondem naturalmente em dinamarquês. A mamma está de visita, vinda da Sicília, anima-se quando lhe digo que pode falar em italiano: "Ah, aqui é tudo muito calmo, muito organizado! Em Palermo, oh..." e faz um gesto com os braços que, imagino, simboliza o caos.
A cidade vai-se descobrindo, bem diferente de como a vi num Janeiro, coberta de neve. Apetece sentar na relva dos parques quando abre o sol, espreitar as montras de design dinamarquês, ver os telhados antigos e os pináculos das igrejas e palácios, sentar nos cais a olhar o mar muito chão, andar de bicicleta! Aqui as ciclovias são verdadeiras auto-estradas, o (pouco) trânsito submete-se à bicicleta, o condutor a espreitar com cuidado a ciclovia antes de virar à direita. Toda a gente pedala, crianças sozinhas de capacetes coloridos, mulheres executivas de tailleur, reformados de calças de ciclismo em bicicletas de corrida, pais de família com bicicletas de carga carregadas, vulgares cidadãos a caminho do emprego, das compras ou do teatro.
No hospital há uma cordialidade que não parece fingida - Welcome to Danmark - e num instante tenho visita guiada, gabinete, chave, cartão, roupa, sou apresentado a 30 pessoas cujos nomes não entendo, no meio do "...en gaest fra Lissabon...". É um bom desbloqueador de conversa, toda a gente já foi a Lisboa, ou vai em breve. Na verdade, quem me faz as honras no primeiro dia é Matti, um afegão enorme que me guia pelos corredores do hospital. Vi o que esperava: organização, arrumação, precisão, horários cumpridos. Toda a gente fala em tom baixo, não se ouvem telefones, não há interrupções, todos sabem o que fazer e ninguém discute, não há familiares a queixarem-se, doentes a reclamarem do médico ou tempos de espera infinitos para marcar exames. Tudo parece protocolado e funcional. Bem-vindo ao sistema de saúde dinamarquês!
Há dias, saía do castelo Rosenborg, onde se mostram as jóias da coroa dinamarquesa, não encontrei a minha bicicleta alugada, empenada e de mudanças avariadas. Tinha-ma roubado. Afinal, havia algo podre no reino da Dinamarca.
Charlottenlund é o bairro onde fico em Copenhaga. Na verdade, fica num município a norte da cidade, uma zona residencial que cresceu à volta do pequeno palacete de Charlottenlund, de moradias "posh" e jardins bem cuidados. Depois das 6 da tarde não há vivalma, através das grandes vidraças vêm-se famílias dinamarquesas a jantar à luz dourada do sol poente. Cheguei na primavera fria do norte, e ao longo das semanas vi-o transformar-se: primeiro a vegetação a ganhar um verde mais brilhante, depois o espectáculo das cerejeiras japonesas e magnólias em flor, cestos de bicicleta cheios de compras a chegar, aos domingos as famílias a pintarem cercas ou arrancar as ervas daninhas do Inverno. O bairro anima-se, dentro da sua pacatez contida nórdica. Nos parques, mesmo os cães parecem contidos, caminham ordeiros perto dos donos, sozinhos a tomar a brisa florestal (gelada, quanto a mim). Adriana vive aqui há 15 anos, italiana do sul mas de traços delicados, franzina e suave. Fala em italiano com os filhos adolescentes, que lhe respondem naturalmente em dinamarquês. A mamma está de visita, vinda da Sicília, anima-se quando lhe digo que pode falar em italiano: "Ah, aqui é tudo muito calmo, muito organizado! Em Palermo, oh..." e faz um gesto com os braços que, imagino, simboliza o caos.
A cidade vai-se descobrindo, bem diferente de como a vi num Janeiro, coberta de neve. Apetece sentar na relva dos parques quando abre o sol, espreitar as montras de design dinamarquês, ver os telhados antigos e os pináculos das igrejas e palácios, sentar nos cais a olhar o mar muito chão, andar de bicicleta! Aqui as ciclovias são verdadeiras auto-estradas, o (pouco) trânsito submete-se à bicicleta, o condutor a espreitar com cuidado a ciclovia antes de virar à direita. Toda a gente pedala, crianças sozinhas de capacetes coloridos, mulheres executivas de tailleur, reformados de calças de ciclismo em bicicletas de corrida, pais de família com bicicletas de carga carregadas, vulgares cidadãos a caminho do emprego, das compras ou do teatro.
Há dias, saía do castelo Rosenborg, onde se mostram as jóias da coroa dinamarquesa, não encontrei a minha bicicleta alugada, empenada e de mudanças avariadas. Tinha-ma roubado. Afinal, havia algo podre no reino da Dinamarca.
muito bem Pedro....uma nova e interessante faceta nas tuas andanças por este mundo.
ResponderEliminarThanks, TEX.
ResponderEliminar