Ilhas do Chocolate

21 de Julho de 2018

Caro Miguel,

Tem um pouco de paciência e acompanha-me nestas letras, que tentarão levar-te a viajar a um local que talvez não esperes mas que, acredita-me, valeria todas as esperas. Perdoa-me o estilo pobre ou o desalinhavo das frases para te mostrar o que há para ser mostrado, pela lente dos meus olhos. Vamos a isto.

Um desconfortável voo nocturno da STP Airways deixa-nos, ainda zonzos, na luz mortiça das 7 da manhã na pista do aeroporto. A menina do transfer, de ar profissional, enrola deliciosamente os rr, e cá vamos nós pela marginal esburacada a caminho da cidade. Uma praia vazia e estreita, um pontão que dá acesso a um clube de veraneio sobre o mar, um ou outro hotel escondido, e depois uma sucessão de pequenas vivendas gémeas, com a sua arcada na entrada ao melhor estilo do Portugal anos 60 - algumas com reluzentes placas empresariais, outras fechadas e abandonadas. Ao chegar ao centro, virados para a baía arredondada e suave, os edifícios coloniais dos 1900, com as suas varandas longas e cobertas e anteparas de ripas. Começa já o bulício, a desarrumação do mercado, pequenos palacetes portugueses de ar ministerial, uma praceta com um jardim dormente, e depois as sedes do poder: a catedral, duas torres neogóticas e desproporcionadas a tão pequena capital, o palácio presidencial, solene e cor-de-rosa, o tribunal, mais afrancesado nas suas persianas brancas, depois a biblioteca, o arquivo, o estádio, um longo bairro colonial de frondosas árvores e moradias readaptadas a novas funções, agora que já não vivem lá funcionários portugueses.


À tarde, ainda anestesiados pela latitude, percorremos a marginal 12 de Julho até ao Forte de São Sebastião, único monumento a que podemos chamar antigo no arquipélago. Na praça de armas, dois baluartes guardam o minúsculo portão de entrada; defronte, brancos e desproporcionais nos seus modestos pedestais, os três descobridores fitam não o mar, mas a parede cor-de-areia do forte, para sempre privados dessa linha líquida.

Na pequena praia anexa brincam crianças e paira uma atmosfera húmida, indolente e antiga. Vem-me à memória a chegada do governador Luís Bernardo, saído da pena fictícia do Miguel Sousa Tavares, que trago na mala para reler nestes dias. Ora ouve: "No meio da apreensão que o consumia, Luís Bernardo comoveu-se com essa visão e sentiu-se estranhamente em terra familiar. Estava inebriado com o cheiro abafante a clorofila que vinha de terra, entorpecido pela humidade opaca do ar, angustiado pelo ruído da multidão que no molhe esperava por si. Suspirou fundo, olhou a toda a volta, até onde as montanhas desapareciam na neblina húmida, e olhou também para trás de si, onde o azul do mar se fundia num horizonte perdido, e disse baixinho, como se recitasse poesia só para si: "Eu vou gostar disto! Eu vou amar isto!".
(Equador, Oficina do Livro)

Recebe um abraço deste teu amigo e aprendiz de viajante,

Pedro







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