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A mostrar mensagens de março, 2014

Mweka Route

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Dia 8. Domingo, 16 Fev 2014 A mó. Quando às 6 da manhã o ruído do acampamento já não me deixa dormir mais, todo o meu corpo geme do massacre da véspera. A rota de Barafu para Mweka é como uma gigantesca mó: pegue-se no montanhista cansado da escalada a uma altitude extrema, com 2 horas de sono, e moam-se todos os ossos, músculos e tendões nos milhares de metros de rocha e lama que se seguem. No dia seguinte obtem-se farinha, que é como me sinto agora. Enquanto arrumamos o equipamento, chove torrencialmente em Mweka. Lavo a cara à chuva, com água quente misturada com chuva. Godliving compõe-nos o espírito com o abundante pequeno-almoço do costume, e quando começa a marcha parou de chover. Patinamos lentamente no caminho enlameado, de pedras escorregadias, enquanto somos ultrapassados por carregadores a correr, equilibrando as cargas montanha abaixo. Aos 3000m, como na subida, surgem as árvores, com uma precisão exacta. De súbito, estamos na floresta húmida, coberta de vapores ...

Uhuru Peak: o tecto de África

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Dia 7. Sábado, 15 Fev 2014 Das 4 horas que tinha para dormir não consegui aproveitar muito. Mas à meia-noite deixamos os sacos-cama, última verificação da mochila, 4 camadas de roupa, óculos, polainas, bastões, reforços energéticos, água. Na tenda-sala engolimos à pressa biscoitos com chá quente, com um nervosinho miúdo cá dentro. A noite está limpa, muito clara ao luar, 4ºC. No silêncio vemos já uma fila de pequenas luzes que sobe a crista rochosa acima de nós. A subida inicia-se, " pole, pole ", um passo de cada vez. O primeiro patamar rochoso, mais abrupto, que é necessário ultrapassar deixa-me com uma ligeira dor de cabeça e obriga-me a respirar mais rápido. Depois, 200 metros mais acima, uma plataforma abrigada aloja um outro campo, mais pequeno - Kossovo. Começa então a extenuante subida que ziguezagueia pela vertente da montanha acima, sobre a qual lera dezenas de vezes. Caminhamos concentrados, em silêncio, com paragens de hora a hora, poucos m...

Barafu Hut, quase, quase...

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Dia 6. Sexta, 14 Fev 2014 O caminho para Barafu Hut (gelo, em Swahili), não é longo. A nossa aclimatação à alta montanha está terminada, subimos hoje para o campo-base antes do assalto ao cume. A manhã está fria e cinzenta, caminhamos numa longa encosta sobre o campo de Karanga, por entre boulders enormes, alguns coroados por pilhas de calhaus, como mamilos. A subida é laboriosa, a paisagem seca e estéril. Caminhamos silenciosos, há no ar a excitação do que virá amanhã, o aproximar do dia, com a confiança crescente de que, sim, afinal vai ser mesmo possível. Estamos de boa saúde, não há sinais de mal de altitude, Kibo espera-nos. É preciso atravessar um vale achatado, desértico, descobrindo-se no topo de uma escarpa, 200 metros mais acima, o campo de Barafu, empoleirado como uma cabra montês. O declive supera-se sem dificuldades de maior, tendo em conta a altitude a que nos encontramos. Barafu Hut parece um campo de refugiados, desiquilibradamente instalado numa escar...

Hakuna Matata

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Dia 5. Quinta, 13 Fev 2014 Depois das 6 da manhã é difícil dormir mais nos acampamentos, ouvem-se vozes em Swahili, começa um reboliço de preparativos, um remexer nas tendas. Quando o nosso "waiter" Godlisten nos vem despertar, como todas as manhãs, "Hello, wake up time!", "Hello, hot water!", "Hello, breakfast is ready!", já nos encontra no tremendo esforço matinal de arrumar a tralha. Hoje, preparados para a partida, no planalto ensolarado, há foto de grupo e os nossos carregadores cantam connosco a canção do Kilimanjaro, em Swahili. Hakuna matata ! Descemos o pequeno declive até ao regato no fundo de Barranco, por entre Lobelias, com a tremenda Western Breach a oeste a brilhar com os raios de sol oblíquos da manhã. A parede, ou "breakfast wall", desenvolve-se agora à nossa frente no seu esplendor, 300 metros de desnível ainda na sombra. Mas desenganamo-nos depressa: o mais difícil, ao escalar a parede, é a espera no engar...

Lava Tower

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Dia 4. Quarta, 12 Fev 2014 A noite foi mais movimentada hoje, entre os primeiros desarranjos intestinais, conversa animada até altas horas numa tenda vizinha e as chuvadas da madrugada. Ainda assim, o despertar é magnífico, sobre as silhuetas azuladas de Shira Ridge, acima da neblina, e a base de Kibo salpicada de neve, com o cume ainda escondido. O ar está frio e muito seco, finíssimo. Lava Tower espera-nos para um dia de aclimatação. A primeira longa subida do dia atravessa uma vertente coberta de grandes rochas negras, muitas delas com aglomerações de minerais coloridos, por entre paredes tremendas que parecem ter emergido do chão em convulsões. Na linha dos 4000 metros, matematicamente, desaparecem as últimas Everlastings e começa a surgir a neve, ainda fresca e a derreter sob os tímidos raios de sol da manhã. Festejamos ao passar os 4162 metros - era a máxima altitude a que eu já havia estado, no cume do Toubkal, em Marrocos. Agora Kibo revela-se, despe-se finalmente...

Pole, pole

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Dia 3. Terça, 11 Fev 2014 A 3500 metros de altitude o ar já é bastante rarefeito em oxigénio e os primeiros sinais do mal de altitude podem surgir. O Sérgio já ontem se queixara de dores de cabeça, o Alexandre e eu continuamos bem. Vimos carregados de fármacos, verdadeiros dispensários ambulantes; a minha rotina já inclui três drogas: acetazolamida para auxiliar na aclimatação, de manhã e à noite, Malarone para profilaxia da malária e Brufen ao jantar. Nunca na vida tomei tanto comprimido. A manhã é mais limpa hoje, um amanhecer lavado como depois das grandes tempestades. O planalto desvenda agora a sua imensidão vulcânica, árida, e tímidos raios de sol surgem por trás de onde adivinhamos estar o cume de Kibo. A falta de oxigénio torna a tarefa de arrumar o equipamento uma empresa difícil e extenuante. Páro para respirar fundo antes de conseguir retirar o último saco da tenda. Hoje o caminho é fácil, cruzando a caldeira quase plana do extinto vulcão Shira, o mais antigo dos três...