Pole, pole

Dia 3.
Terça, 11 Fev 2014

A 3500 metros de altitude o ar já é bastante rarefeito em oxigénio e os primeiros sinais do mal de altitude podem surgir. O Sérgio já ontem se queixara de dores de cabeça, o Alexandre e eu continuamos bem. Vimos carregados de fármacos, verdadeiros dispensários ambulantes; a minha rotina já inclui três drogas: acetazolamida para auxiliar na aclimatação, de manhã e à noite, Malarone para profilaxia da malária e Brufen ao jantar. Nunca na vida tomei tanto comprimido.

A manhã é mais limpa hoje, um amanhecer lavado como depois das grandes tempestades. O planalto desvenda agora a sua imensidão vulcânica, árida, e tímidos raios de sol surgem por trás de onde adivinhamos estar o cume de Kibo.

A falta de oxigénio torna a tarefa de arrumar o equipamento uma empresa difícil e extenuante. Páro para respirar fundo antes de conseguir retirar o último saco da tenda. Hoje o caminho é fácil, cruzando a caldeira quase plana do extinto vulcão Shira, o mais antigo dos três cumes do Kilimanjaro. Vários regatos cruzam uma imensidão de rochas lávicas, erodidas pelo vento e cobertas de líquenes, a vegetação rasteira é animada pelos muitos tufos de Helichrysum argyranthum, ou Everlasting, de pequenas folhas carnudas muito brancas.

À medida que vamos subindo suavemente, em direcção nascente, a cordilheira de Shira Ridge torna-se mais imponente, fechando o horizonte à nossa direita, a sul e oeste. É o que resta do bordo da enorme cratera de Shira, que colapsou sobre si própria e foi depois preenchida por terríveis escorrências de lava de erupções de Kibo. Cruzamos o único traço de civilização em toda esta área: a estrada de terra que ascende de Shira Gate até perto de Shira Hut e que serve apenas para evacuações de emergência.

A marcha no planalto parece mais fácil, mas todos aqui repetem até à exaustão a frase que serve de lema às ascensões do Kilimanjaro: "pole, pole - slowly, slowly". É necessário dosear o passo, lento e ritmado, respirar fundo, preparar o corpo para as violências a que ainda irá ser submetido.

Menos de 4 horas depois da partida, chegamos ao nosso destino de hoje: Shira Hut, a 3841 metros, numa inclinação suave batida pelos ventos que varrem o planalto. Hoje o almoço é na tenda de campanha, luxuoso!

A tarde é passada a inspeccionar o acampamento e as curiosas formações vulcânicas que o rodeiam, a secar ao vento e ao sol ocasional toda a roupa molhada da véspera, a tentar captar alguma rede de telemóvel, empoleirados em rochedos, e a respirar fundo, aspirando todas as moléculas de oxigénio que pudermos.

Ao jantar, às 6 horas, convidamos Constantine para a nossa mesa, que acede com um sorriso e nos conta algumas histórias da sua vida como guia, enquanto partilhamos uma enorme travessa de massa com molho de carne. De etnia Chaga, Constantine tem 30 anos e trabalha como guia do Parque Nacional nas épocas turísticas, fora das chuvas, realizando em média duas ascensões por mês. Nas épocas baixas, em que quase não há turistas, faz agricultura num terreno que arrenda em Moshi, junto da mulher e do filho de 8 meses. A maior parte dos guias começaram como carregadores, um trabalho duríssimo e mal pago, sem direito a seguro ou a contrato e com todos os riscos inerentes à alta montanha. Estes super-homens, alguns muito jovens, mal equipados, de ténis ou botas rotas, carregam todo o material de acampamento mais a nossa bagagem (os regulamentares 15kg, mas frequentemente muito mais que isso), ultrapassam-nos em passo ligeiro com as trouxas em equilíbrio na cabeça ou nas costas, e ao chegarmos o acampamento já está montado, os sacos nas tendas e o jantar ao lume.

Altitude: 3505m - 3840m
Tempo: 3h30 (8h45 - 12h15)






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