Lava Tower

Dia 4.
Quarta, 12 Fev 2014

A noite foi mais movimentada hoje, entre os primeiros desarranjos intestinais, conversa animada até altas horas numa tenda vizinha e as chuvadas da madrugada. Ainda assim, o despertar é magnífico, sobre as silhuetas azuladas de Shira Ridge, acima da neblina, e a base de Kibo salpicada de neve, com o cume ainda escondido. O ar está frio e muito seco, finíssimo. Lava Tower espera-nos para um dia de aclimatação.

A primeira longa subida do dia atravessa uma vertente coberta de grandes rochas negras, muitas delas com aglomerações de minerais coloridos, por entre paredes tremendas que parecem ter emergido do chão em convulsões. Na linha dos 4000 metros, matematicamente, desaparecem as últimas Everlastings e começa a surgir a neve, ainda fresca e a derreter sob os tímidos raios de sol da manhã.


Festejamos ao passar os 4162 metros - era a máxima altitude a que eu já havia estado, no cume do Toubkal, em Marrocos. Agora Kibo revela-se, despe-se finalmente dos seus mantos de nuvens, com os seus glaciares pendurados em paredes verticais brilhando ao sol. É uma visão magnífica, colossal, ao mesmo tempo já ali tão perto, como que sussurrando, "desvenda-me"...

À nossa direita, sobre uma crista rochosa, uma longa fila de minúsculas figuras humanas - é a rota Machame, que cruzaremos daqui a pouco. Ultrapassada uma elevação, vemos agora Lava Tower, um grande cilindro de lava preta emergindo impávido entre vales nevados. O caminho não é difícil, "pole, pole", uma fila interminável de caminhantes que falam todas as línguas. Cerca do meio-dia, após uma caminhada de 3 horas e meia, atingimos o campo que se situa abrigado atrás desta torre vulcânica e que se encontra já em grande bulício.

Kibo está mesmo acima de nós, o seu bordo achatado quebrado pela impressionante Western Breach. Há apenas 100 mil anos, um terrível deslizamento de terras arrancou ao cone vulcânico um enorme bocado, criando uma brecha ladeada por paredes verticais, inatingíveis. Daqui, o cataclismo originou o Barranco, profunda ferida na encosta sul do vulcão. É nestas vertentes que dormiremos hoje.


Depois do almoço a 4600 metros, no sopé de Lava Tower, apressamo-nos, as nuvens sobrem de novo e sopra um vento cortante. E a descida é interminável, quase 700 metros de desnível a testar os joelhos e o equilíbrio. Mas é impossível a monotonia, as vistas espantosas mudam a cada curva do trilho, novos ângulos sobre as gigantescas paredes que se erguem como contrafortes de Kibo, e lá em baixo, muito fundo, as tendas coloridas no campo de Barranco Hut.

Deste lado o clima é mais ameno, protegido dos ventos agrestes de Shira; surgem as curiosas Senecio, bizarras palmeiras de vários braços e tronco revestido de um capote de folhagem seca, que crescem junto dos cursos de água.

Chego ao campo pelas 15 horas, o Sérgio e o Alexandre já lá estão, uma profusão de tendas alongando-se no terreno - como é popular, afinal, dormir a 4000 metros de altitude! O local é agradável, crescem Senecios e Lobelias na terra húmida, numa plataforma abrigada junto ao Barranco, que se despenha como um profundo canyon em direcção a Moshi, ao sul - lembra uma paisagem jurássica, pré-histórica e selvagem. A leste, uma parede vertical e escura, algo ameaçadora, onde se desenha um ziguezague ténue até às escarpas lá no alto, 300 metros mais acima. Amanhã espera-nos Barranco Wall.

Altitude: 3840m - 4655m - 3965m
Tempo: 6h30 (8h40 - 15h15)






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