A miragem socialista
Chove como se não fosse parar
nunca mais, aquela chuvinha parda e triste, sem fazer calor nem frio. Vamos
espreitar Nowa Huta, o sonho socialista operário de Cracóvia, uma nova cidade
construída a alguns quilómetros do centro apara servir uma mega-siderurgia.
Esperava um desfilar de blocos cinzentos e depressivos, mas as avenidas largas
sucedem-se surpreendentemente verdes e cuidadas, com grandes quarteirões
residenciais que afinal têm alguma variedade e humanidade. De estômago vazio,
procuramos em vão um local para tomar o pequeno-almoço à volta da grande praça
de ar estalinista, solene. Resta-nos uma loja colorida de cafés e bolos, onde
as duas moças de unhas de gel tentam entender-nos no seu inglês quase
inexistente, enquanto se agarram ao whatsapp dos seus smartphones.
Ao consagrar a igreja, o futuro João Paulo II declarou: “esta
cidade… é uma cidade de pessoas sem pertença, pessoas com as quais se pode
fazer de tudo, pessoas que podem ser manipuladas de acordo com as leis da
produção e do consumo. Esta cidade é uma cidade dos filhos de Deus”.
A sul do Vístula, a fábrica de
Oskar Schindler tem a mesma fachada que vimos no filme de Spielberg. Esperamos
uma hora à porta, entre um divertido grupo de crianças a jogarem lengalengas e
uma avó alemã com a sua neta espanhola de longas tranças. Hoje é um fantástico museu que
nos leva a reviver a Cracóvia ocupada nos anos 39-45, com o seu quotidiano, o
horror e a sobrevivência.
Saímos rumo a sul, depois de
andar às voltas pelas vias rápidas dos subúrbios de Cracóvia (não ter GPS, ou
que raio será Chyzne, que não aparece no mapa?). As colinas verdes sucedem-se,
a estrada muito movimentada serpenteia e sobe, rumo aos Cárpatos, na fronteira
com a Eslováquia.
Comentários
Enviar um comentário