Madrugada nas nuvens

Dia 14 - 16 Agosto

A noite foi quase em claro, passada em condições de desconforto para lá do razoável,  numa cama de dormitório paga a peso de ouro. É um alívio quando chegam as 4 da manhã,  hora de levantar. Cá fora é noite escura, está amena e estrelada (porque raio não peguei no saco-cama e vim dormir para a rua?). Sente-se já movimento,  gente enrolada em capas, lanternas, como se algo estivesse para acontecer. A caminhada até Bright Top não é longa, meia hora de degraus, alguns respiram ofegantes. No alto, junto da estação meteorológica, vão-se juntando sombras e pequenas luzes frontais, enquanto se adivinha já para nascente uma ideia de luz rosada, muito ténue. Chega mais gente, a luz cresce, extende-se numa longa faixa, vão subindo nuvens em farrapos coloridos, todos se apertam numa estreita amurada para não perder o espectáculo.

O sol não surge claro, mas entre as nuvens cor de laranja há um risco vertical de luz, que mergulha no leito de brumas, afundando-se entre escarpas. A hora marcada era 5:36. Disparam cliques, há iPads no ar e o borburinho aumenta. Então surge o primeiro megafone,  está desfeita a magia e é a debandada súbita, como se estivesse visto o que havia para ver. Ficamos alguns ocidentais, os alemães do jantar, um assustado casal russo, e aí estão, afinal, as brumas do Huangshan, vapores que sobem dos vales ainda escuros e momentaneamente escondem os picos.




Descemos para um pequeno-almoço chinês no hotel junto a Cloud Dispelling Pavillion, outro nome da poética imaginação chinesa. A oeste estende-se o Grand Canyon of West Sea, um vale fundíssimo flanqueado de escarpas e pináculos,  como uma catedral em que só agora os raios de luz começam a penetrar. Deste lado não há mar de nuvens como o nome sugeria. Seguimos por mais degraus, agora em declives mais suaves, para o lado nascente, passando por Dawn Pavillion (óbvio nome) e subindo ao estreito pico a que chamam Beggining to Believe. Percebe-se porquê: até o visitante mais céptico, subindo pelo lado oriental, não conseguiria evitar um "ah!" perante este espectáculo granítico, que parece dinâmico,  como se as escarpas crescessem diante dos seus olhos. Agora o sol aquece e liberta-se mais vapor do fundo dos vales, que galga os penhascos e se desfaz. Os pinheiros crescem nos sítios mais impossíveis, agarrados a paredes verticais,  empoleirados nos picos, insinuando-se nas fendas.



No planalto os megafones crescem, num borburinho coado pela espessa vegetação, a manhã sobe, é tempo de caminhar até ao teleférico de Yungu, a leste, e deixar o Monte Amarelo.

Cá em baixo Wayne fornece-nos de novo duche e almoço, enquanto esperamos a hora do autocarro. São 6 horas e meia de caminho, sem direito a jantar, em direcção à louca Xangai, a China do futuro.

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