O Monte Amarelo

Dia 13 -15 Agosto

Huangshan é um dos maciços montanhosos mais famosos da China, eternamente envolto em brumas e inspirador da pintura e da poesia chinesas. É uma maravilha natural classificada pela Unesco e um dos Geoparques do mundo, devido às suas formações rochosas graníticas e invulgares efeitos da erosão. Chove 200 dias por ano e os nascer-do-sol com os picos sobre um mar de nuvens são lendários.

O pequeno-almoço chinês está incluído no preço do Pine Ridge Lodge: chá preto, leite de soja, pãezinhos chineses de massa branca e arroz cozido aguado. Pelo sim, pelo não, vêm também umas tostas com doce. Wayne embrulha-nos também uma das baguetes com queijo que importa de Xangai (a farinha vem de França), porque sanduíches na China são como esquimós na praia. A preços módicos.

A entrada no Parque, é claro, paga-se, e bem. Soma-se o teleférico e aí vamos nós pelos ares em direcção aos cumes graníticos. Pela entrada sul acede-se de autocarro ao Mercy Light Temple, base do teleférico de Yuping que nos deixa em Jade Screen, pequena plataforma empoleirada nos penhascos. Daqui parte uma rede de caminhos empedrados, alguns talhados no proprio granito, outros construídos sobre tremendos precipícios, e degraus, milhares de degraus. O dia está quente e soalheiro, nada das chuvas persistentes que aqui residem. Mesmo os 23 graus que se sentem no topo, a 1800 m, colam-me a camisola ao corpo após os primeiros empinados lanços de escadas, seguindo a fila serpenteante de visitantes.

Subimos primeiro até ao "Pinheiro das Boas-Vindas", um vetusto pinheiro do Huangshan (espécie autóctone) que parece acenar ao forasteiro no bordo do penhasco.  Diz-se que terá mil anos e goza de grande popularidade entre os chineses, a julgar pelas filas que se formam para posar junto da árvore. Daqui trepamos ao Lotus Peak, o ponto mais alto, com os seus pináculos graníticos a lembrar uma flor de lótus a abrir. A escadaria insinua-se por espaços inimagináveis, escava a pedra, trepa rochedos verticais, e cá está o pico, apinhado, com a proverbial banca que grava na hora o nome do herói numa medalha de metal amarelo. Aqui também esteve o líder Deng Xiaoping, exclamando que só aqui se podia entender toda a grandeza da pátria. Mas não me parece que estes ruidosos alpinistas do século XXI pensem em Deng.





O caminho segue pelas alturas, passando por locais com nomes tão sugestivos como One Hundred Ladders ou Narrow Cliff, e formações zoomórficas a lembrar um gigantesco peixe que se prepara para devorar três vermes,  ou uma cabeca de tartaruga. No centro do maciço há uma depressão aplanada, de luxuriante vegetação,  onde está o hotel onde vamos passar a noite. O local chama-se Heavenly Sea, embora neste pico de Agosto pouco tenha de celestial - em vez de harpas há guias turísticos que berram em altifalantes (uma muito eficaz invenção chinesa, com head-set, micro e amplificador portátil à cintura) e lojas de comida, bengalas e capas de plástico, onde tocam os últimos hits.
Estamos longe de qualquer acesso por estrada, em altitude, num terreno incrivelmente escarpado e num clima extremamente húmido, mas o engenho chinês transformou a montanha, foi capaz de lhe construir hotéis que arvoram luxo e permitir o afluxo de milhares de visitantes, a maioria de aspecto e indumentária bem urbana.

Do outro lado deste progresso, algo estranho aos olhos dos ocidentais que procuram a natureza para gozar da sua paz e grandiosidade serena, existe outra imagem mais medieval e desconcertante.  São dezenas de homens, ossudos, peles muito morenas, de camisas abertas e simples alpercatas, que carregam, à maneira chinesa, gigantescas cargas: uma vara de bambu atravessada aos ombros,  com outra perpendicular para equilíbrio, e de cada extremidade pendem dois enormes fardos, transportando tudo o que é necessário para abastecer o voraz cliente do Huangshan. Vimos paletes triplas de água e bebidas, enormes pacotes de lavandaria, alimentos, sacos de lixo e outros materiais, que atingem 50 quilos em cada ombro. O casal norueguês que encontrámos mais tarde confirma-nos: estes super-homens não sobem de teleférico, antes carregam as suas gigantescas trouxas milhares de degraus,  montanha acima,  suando em bica. Quanto ganharão? Como resistirão os seus ossos a este ofício diário? O Partido ter-se-á esquecido de libertar estes trabalhadores oprimidos...

Ao jantar partilhamos a mesa com 2 estudantes alemães,  ele a estagiar em Pequim há 3 meses, ela de visita. Amanhã madruga-se.

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