A Grande Muralha

Dia 4 - 6 Agosto


Diz um velho ditado chinês que só aquele que já subiu à Grande Muralha é um verdadeiro homem. Hoje é esse dia,  e marco assim o aniversário a percorrer uma das mais extraordinárias obras da humanidade.
Saímos para Jinshanling numa manhã carregada de humidade opressiva, numa pequena excursão que leva um grupo de 14 estrangeiros ocidentais, quase todos backpackers, apertados numa carrinha desconfortável. A viagem de 150 km leva cerca de 3 horas, atravessando o trânsito dos intermináveis subúrbios de Beijing, onde alastram extensas urbanizações e condomínios de luxo, como parecem indicar os painéis publicitários vendedores de sonhos. Mao já não mora aqui. As autoestradas acabam subitamente, atravessam-se avenidas em obras,  curvas de 90 graus, buracos enormes, a paisagem está em convulsão,  desviam-se rios e plantam-se novas florestas. O país parece estar em construção. O trânsito flui com a versão asiática do código da estrada,  mais opcional,  transformando vias de 2 faixas em 3 e passando minutos demasiado longos do lado esquerdo da estrada.

Esta secção da muralha, do período Ming (cerca de 7 séculos) está apenas parcialmente reconstruída e livre das hordas de turistas,  mantendo todo o seu dramatismo ao serpentear pelas abruptas montanhas que separavam a antiga China dos bárbaros mongóis e manchus. A vegetação é luxuriante, o clima lembra uma estufa tropical e a pequena marcha até à nossa primeira torre deixa-nos ensopados. Mas cá está ela, com os seus bastiões revestidos a tijolos escuros e lages de pedra,  escadarias abruptas, altas ameias e seteiras em arco, vencendo os relevos escarpados, estendendo-se como um dragão ondulante. O cenário faz suster a respiração, enquanto limpo o suor que me escorre da testa.


Fen é uma mulher da vizinha Mongólia Interior, de olhos risonhos e pele curtida pelo sol, que como muitos outros camponeses da região teve de abandonar a agricultura e vende um pouco de tudo aos turistas da Muralha - bebidas frescas, souvenirs, a obrigatória t-shirt alusiva. Aprendeu inglês com os turistas e mostra-se uma exímia vendedora: enquanto comemos na sombra fresca do interior de um bastião,  a conversa e as risadas fluem, mas acaba por conseguir vender 2 bolsas, "hand-made". As amigas, mais tímidas, não tiveram sorte...














Até Simatai, onde nos espera a guia, são 8 km e 22 torres, que se fazem sem muita dificuldade,  apesar do calor sufocante e de trechos realmente inclinados. Aqui são muito raros os viajantes,  quase todos ocidentais, e o silêncio pesa na paisagem avassaladora. Foram apenas 3 horas na muralha mas valeram todo o desconforto da viagem.

Repousados, o jantar é outra experiência dos sentidos, desta vez papilar e olfactiva: cozinha de Yunnan, colorida província do sudoeste da China, no excelente Dali's Courtyard, um requintado pátio com uma  fonte murmurante, artefactos antigos e plantas tropicais.  Não há lista, o chef decide no dia o que nos serve, segundo a inspiração e os produtos frescos do dia. Na mesa multiplicam-se os pratos: flores de jasmim temperadas, tiras de tofu, cogumelos salteados, camarões em vegetais picantes (!), frango com pimentos e batatinhas, verduras no vapor, um peixe escalado no forno e coberto de especiarias, arroz branco, melancia fresca! Já está esquecido o cliché do shopsui e do porco doce, a comida na China é incrivelmente rica e colorida e o Dali não destoava em qualquer grande capital europeia.

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