O lago de Marco Polo

Dia 11 - 13 Agosto

Diz a lenda que Marco Polo visitou Hangzhou e se maravilhou com a cidade e o seu lago de 100 milhas e 12 mil pontes. Será um exagero medieval, mas a região inspirou imperadores e poetas, sobretudo desde que a dinastia Song se mudou para aqui, há 900 anos. As margens do lago e os seus edifícios têm sido continuamente tranformados, e não foram poupados nas revoltas do século XIX e na Revolução Cultural. Hoje, no entanto, o Lago Oeste mantém um encanto antigo e duradouro, como se os seus salgueiros e pagodes estivessem aqui há mil anos, pairando na bruma.

Pequeno-almoço de french toast e cappucino (em Roma sê romano, mas pequeno almoço chinês não me convence mesmo...), a ganhar coragem para outro dia com os termómetros a subirem para perto dos 40. Apanhamos um barco pachorrento até à ilha Xiaoying, um jardim chinês de tranquilidade, com o seu pequeno lago interior onde crescem nenúfares e carpas - "uma ilha no lago e um lago na ilha". Do lado sul, na água, emergem 3 pequenos pagodes a que chamam Três lagos espelhando a lua, porque acendem velas no seu interior no festival da lua, no Outono, imitando o reflexo da lua. Não verei se o efeito resulta mesmo, mas a ideia é bonita. Uma chinesa solícita chega-se logo a exlicar que são muito famosos, sacando radiante de uma nota de 1 Yuan onde, nas costas de Mao, realmente lá estão eles, os 3 pagodes.

O barco segue para a ilha Gu shan (ilha da Colina Solitária), no canto noroeste do lago, esta mais movimentada porque está ligada por uma ponte à avenida que circunda o lago. Outrora foi um retiro imperial,  no século XVIII,  do qual só restam vestígios, mas possui uma curiosa instituição que dá pelo misterioso nome de "Sociedade dos Gravadores de Selos". O local tem um ar velho, um pouco bafiento, nos seus pavilhões que se empoleiram na encosta da colina, rodeados de plantas exóticas e inscrições crípticas. Ao abrir uma das portas, a tinta vermelha a descascar-se da madeira trabalhada, imagino encontrar um velho mandarim na penumbra, de longos bigodes pendendo dos cantos da boca. Não era, afinal, o caso, mas há uma colecção magnífica de selos em preciosas pedras coloridas, cilindros ou paralelepípedos com o topo esculpido, alguns com bizarras formas de insectos ou animais mitológicos;  no outro topo são gravados, em baixo-relevo, os caracteres que constituem a assinatura, o selo, do caligrafista. Chineses ensonados são embalados pelo ronronar das ventoinhas,  enquanto noutras salas jovens concentram-se no minucioso trabalho de gravação. Tudo aquilo lembra uma sociedade secreta onde penetrámos por engano.

À tarde, depois de almoçar no histórico restaurante Louwailou, sob o olhar impaciente das empregadas, passeamos nos jardins Quyuan, um labirinto de caminhos entre lagos onde crescem gigantescos lótus, alguns ainda em flor. O paraíso chinês deve ser assim, tal é a perfeição dos reflexos na água, dos bosques de coníferas e pequenos pavilhões e pontes. Um grupo de jardineiros, de chapéu em bico e pele curtida fazem uma pausa e metem-se logo connosco,  numa algaraviada cheia de risota. Há um que escreve no chão "USA", mas à resposta "Putaoyá" têm grandes exclamações de entendimento.

A tarde torna-se suportável com o cair do sol, por isso é tempo de dar a volta ao lago, isto se conseguirmos alugar bicicletas. Nenhum dos rapazes do negócio fala uma palavra de inglês, mas acabamos por acordar 20 Yuan, e aceleramos por uma longa passagem entre águas e alamedas de árvores em desengonçadas bicicletas, sentindo o vento quente na cara e gravando na memória as delícias intemporais do Lago Oeste.


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